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Posição do Brasil nas eleições argentinas é ‘inédita’, diz professor

Em conversa com o Boletim da Liberdade, professor Paulo Velasco comentou ainda sobre a situação política da Argentina, explicou os discursos das principais forças políticas e o contexto do governo Macri
Casa Rosada, em Buenos Aires: centro da presidência argentina (Foto: Divulgação)

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Casa Rosada, em Buenos Aires: centro da presidência argentina (Foto: Divulgação)

A América Latina e o mercado reagiram com surpresa nesta segunda-feira (12) com os resultados das primárias das eleições presidenciais da Argentina que indicam ampla vantagem da esquerda sobre o presidente Maurício Macri, que busca a reeleição. Para tratar do assunto, o Boletim da Liberdade conversou com o professor Paulo Velasco, doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ, sobre a situação política do país vizinho.

Na conversa, Velasco destaca que a chapa composta por Alberto Fernández e Cristina Kirchner busca explorar a frustração dos argentinos com o governo considerado ruim de Maurício Macri. Ao mesmo tempo, o presidente – que não conseguiu cumprir suas promessas de campanha – tenta recorrer ao medo de o kirchnerismo voltar ao poder na Argentina.

Segundo o professor, o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro sobre as eleições argentinas representa também algo inédito ao Brasil, que “sempre foi muito cuidadoso na hora de se posicionar sobre as eleições de países vizinhos”. A principal motivação seria evitar perder um aliado relevante no “consenso à direita” que é simbolizado pelos líderes dos principais países do continente.

Confira a conversa na íntegra abaixo:

Boletim da Liberdade: A chapa de Alberto Fernández/Cristina Kirchner liderou as primárias na Argentina. Esse resultado foi uma surpresa?

Paulo Velasco: Na verdade, o resultado não é uma surpresa. A surpresa é a diferença percentual. Praticamente todas as pesquisas de opinião já davam vitória para a chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, mas [a diferença com o segundo lugar] girava em torno de 3% a 5%. Uma diferença de 15% é uma diferença muito significativa, muito mesmo, mesmo sendo as primárias – e é uma diferença muito importante. Porque vale lembrar que, pela lei eleitoral da Argentina, no primeiro turno se algum candidato fica mais de 10% a frente do segundo, ele já está eleito – diferente do Brasil, onde é preciso ter 50% dos votos mais um. É justamente isso o que o Alberto Fernández e a Cristina Kirchner apostam, pois sabem que em um eventual segundo turno, muitos candidatos que se apresentam como alternativos, eventualmente da terceira via, como de Roberto Lavagna, tendem a apoiar Mauricio Macri para evitar a volta do Kirchnerismo.

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Boletim da Liberdade: Qual é o principal discurso e argumento eleitoral que a aliança de Fernández/Kirchner tem apresentado e deve apostar na campanha?

Paulo Velasco: O principal argumento utilizado pela aliança Fernández/Kirchner é a frustração. O governo Macri venceu as eleições de 2015 com um discurso de mudança, de alternativa à Cristina [Kirchner], que já à época tinha um governo com indícios fortes de prática de corrupção e que foi muito caótico, ruim em especial em termos econômicos, com crise cambial.

Mas a situação se agrava ainda mais no governo Macri, logo ele que foi eleito dizendo ser um homem de negócios, capaz de arrumar a situação do país. A inflação dispara, o país continua rateado em termos econômicos, sem crescimento, e a Argentina é obrigada a recorrer ao FMI [Fundo Monetário Internacional], sinal da fragilidade macroeconômica do país. Ou seja: houve uma crise herdada do governo da Cristina mas que não só não foi debelada, como ele prometia na campanha, como foi agravada durante sua gestão – inclusive com o avanço da pobreza e tudo mais.

A dupla Alberto [Fernández] e Cristina [Kirchner] explora muito essa ideia da frustração e também como Macri foi uma aposta errada dos argentinos, que deveriam olhar com mais ‘carinho’ ao peronismo e ao kirchnerismo especialmente, deixando de lado a ‘aventura’ que seria o macrismo.

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O peronista Alberto Fernández é o favorito para a disputa presidencial argentina e tem como candidata a vice a ex-presidente Cristina Kirchner (Foto: Reuters)

Boletim da Liberdade: Por quais razões Mauricio Macri corre o risco de não ser reeleito: em que ponto o seu governo decepcionou os argentinos?

Paulo Velasco: A economia tem um peso muito importante nas eleições argentinas e surpreende o fato de ele ainda estar vivo na disputa eleitoral de alguma maneira. Ele fez um governo muito ruim, muito frustrante, muito decepcionante. Ele prometeu coisas que não conseguiu chegar nem perto.

Houve, no início, um bom momento, quando conseguiu fazer um acordo relativo a dívidas com fundos abutres, recuperou o crédito internacional da Argentina. Mas aquilo foi um oásis inicial e depois foram desacertos completos e continuados com a economia colapsando. Agora, ele conseguiu controlar um pouco o câmbio e a inflação deu uma desacelerada, mas é uma economia muito fragilizada que colapsou feio no seu governo com uma piora nos indicadores sociais.

Macri fez um governo muito ruim, muito frustrante, muito decepcionante. Ele prometeu coisas que não conseguiu chegar nem perto.

A população argentina ficou muito frustrada com ele, que por sua vez tenta utilizar o discurso do medo da Cristina, dizendo que é a volta da corrupção, das práticas nefastas do kirchnerismo, que o Alberto [Fernández] é farinha do mesmo saco, embora seja um peronista mais moderado. A presença da Cristina na chapa é explorada pelo medo.

Boletim da Liberdade: O presidente Bolsonaro e o seu cerco estão apoiando claramente Macri e atribuindo cenários geopolíticos negativos em caso de vitória da oposição. Há precedentes – e motivos – de o Brasil tomar partido de forma tão clara na eleição interna da Argentina?

Jair Bolsonaro ao lado do presidente argentino, Maurício Macri (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Paulo Velasco: O que estamos vendo é inédito. O Brasil sempre foi muito cuidadoso na hora de se posicionar sobre as eleições de países vizinhos para garantir boas relações com quem quer que venha a ser no pleito.

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Agora é diferente: o governo Bolsonaro claramente se posicionando a favor do Macri e com declarações contundentes contra a volta da Cristina, mesmo que na condição de vice-presidente. Parece que a ideia do governo Bolsonaro é tentar segurar um aliado. O Macri é um aliado do Bolsonaro e faz parte desse ‘consenso’ mais à direita juntamente com o Sebastián Piñera no Chile e Ivan Duque na Colômbia, como o Ivan Benites no Paraguai. Seria ruim para o Brasil perder a Argentina na lógica desse consenso.

Isso certamente foi o que levou o Bolsonaro a sair do que é a tradição brasileira e se posicionar a favor de Macri, fugindo bastante o que é a nossa tradição. O Brasil sempre foi muito cuidadoso porque é grande demais para a América do Sul e tem que ser cuidadoso mesmo.

Boletim da Liberdade: Como funciona as primárias argentinas e por que elas existem?

Paulo Velasco: As primárias, também chamadas de ‘paso’, são abertas, simultâneas e obrigatórias e ocorrem na Argentina para a definição das coalizões partidárias. Nesse caso, não tem nem muito sentido, porque as coalizões já estão muito fechadas. Mas quando há uma coalizão partidária, as primárias ajudam a definir quem vão ser os representantes dessa coalizão. Nesse caso, temos o Macri e o Miguel Pichetto [candidato a vice], que é um peronista, de um lado – e o Macri foi buscar apoio de um peronista para tentar levar um pouco do apoio do peronismo. E, do outro lado, o Alberto Fernández e a Cristina Kirchner, mais do que definida. Nesse caso, as primárias funcionaram mais como um ensaio para as eleições de outubro.

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