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Há um ‘abismo’ de diferença entre a Ciência Política na Itália e a ensinada no Brasil, diz Adriano Gianturco

Em entrevista ao Boletim, o Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Gênova, Adriano Gianturco, fala, entre outros assuntos, sobre o discurso de que é possível construir uma política 'nova' e a ideia do fim do poder
Adriano Gianturco discursa no Fórum da Liberdade 2018 (Foto: Divulgação)

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(Foto: Divulgação)

Uma das palestras mais repercutidas no Fórum da Liberdade 2018 foi a proferida por Adriano Gianturco, que participou de um painel que contou a presença do juiz Sérgio Moro. Italiano, tornou-se  Ph.D pela Universidade de Gênova e, atualmente, está radicado no Brasil, é professor do Ibmec de Belo Horizonte e um dos principais intelectuais do novo movimento liberal que surgiu no país na última década.

Em entrevista exclusiva ao Boletim da Liberdade, Gianturco fala sobre política, seu interesse pela Ciência Política, as diferenças entre o estudo dessa área na Itália e no Brasil e também sobre o seu mais recente livro: A Ciência Política, lançado em 2018 pela editora Gen, e que traz conceitos poucos explorados nas universidades.

Para o estudioso, no Brasil, é comum a confusão entre Filosofia Política e Ciência Política, frisando que muitos especialistas “nem entendem a diferença, não acham relevante a diferença e não entendem suas diversas implicações”. Confira a entrevista na íntegra abaixo:

Boletim da Liberdade: Toda a sua formação é ligada à Ciência Política. Por que esse interesse e quais são os principais desafios dessa área acadêmica?

Adriano Gianturco: O problema é político e não econômico. O mundo tem os problemas que tem não porque as pessoas aderem às correntes econômicas erradas, mas por motivos políticos. Ninguém é keynesiano e desenvolvimentista com o próprio dinheiro. É estupido e até um Delfim Netto qualquer entende isso. É uma questão de incentivos. Na vida privada, administram os recursos muito bem. O estado provê incentivos perversos, se estou gastando dinheiro alheio o incentivo é a gastar muito e mal.

Na Itália, a tradição da Ciência Política é muito antiga e forte. Somos todos filhos de Machiavelli, de Mosca, Pareto, Michels, Miglio etc. Meus mestres foram discípulos deles. Esta influência é inegável.

O desafio é explicar a politica por como “é”, e não por como “deveria ser”. O desafio atual do ponto vista internacional é, por um lado, limitar o marxismo com suas explicações monofatoriais simplistas e economicistas e, por outro, fazer um bom uso das ferramentas empíricas e quantitativas sem deturpar a ciência social. O desafio é iluminar aqueles entre a opinião publica que são mais emotivos, idealistas e ingênuos. O desafio é não cair no academicismo estéril. O grande desafio de sempre é entender se existem leis da política gerais e universais ou é tudo um caso ad hoc.

O mundo tem os problemas que tem não porque as pessoas aderem às correntes econômicas erradas, mas por motivos políticos. Ninguém é keynesiano e desenvolvimentista com o próprio dinheiro.

Adriano Gianturco discursa no Fórum da Liberdade 2018 (Foto: Divulgação)

Boletim da Liberdade: Há diferenças no modo pelo qual se ensina e se aprende Ciência Política na Itália, onde você fez toda sua formação acadêmica, e no Brasil, onde atualmente mora?

Enorme, um abismo. Aqui, quando se fala Ciência Política, a maioria das pessoas acha [que é] Filosofia Política. Nem entendem a diferença, não acham relevante a diferença e não entendem suas diversas implicações. Tudo isso é incentivado por uma certa visão da Filosofia Política que foca no que “deveria” ser e não no que “é”, que ensina o Contrato Social (como fato histórico e não como experimento mental) mas não o Bandido Estacionário (Olson); por uma certa didática frankfurtiana-freiriana que pergunta aos alunos sua opinião (antes de estudar), que faz debates, que os instiga a se indignar e se revoltar (e não a estudar e compreender), que diz despertar a consciência e o espírito críticos, mas sempre na mesma direção ideológica. Por um efeito cascata, tudo isso passa para a elite que estuda nas universidades, para os intelectuais orgânicos, para os jornalistas, para os formadores de opinião, até chegar aos que repetem mitos infundados como papagaios.

Ao contrário da Filosofia Política, a Ciência Política é realista. É uma rica tradição que nasce com Maquiavel, passa por Mosca, Pareto, Michels (Escola Elitista), Freund, Schmitt, Miglio, (o Realismo Político Europeu que depois se deturpará com o chamado Realismo americano das Relações Internacionais), Buchanan, Tullock, Caplan (Public Choice), Oppenheimer, De Jouvenel, Bueno de Mesquita até Rothbard (e toda a Escola Austríaca).

[No Brasil,] quando se fala Ciência Política, a maioria das pessoas acha [que é] Filosofia Política. […] Por uma certa didática frankfurtiana-freiriana que pergunta aos alunos sua opinião (antes de estudar), que faz debates, que os instiga a se indignar e se revoltar (e não a estudar e compreender), que diz despertar a consciência e o espírito críticos, mas sempre na mesma direção ideológica

Nesta perspectiva, a política é simplesmente um sistema coercitivo de escolhas coletivizadas, é de “cima para baixo” (e não “de baixo para cima”) e não se baseia no consenso. O estado é uma organização que governa um determinado território (e não necessariamente para o Bem). O estado é simplesmente um conceito ao qual se atribui personalidade jurídica (ficção jurídica); ele não tem vida própria, não age, não tem intenções. Quem age são sempre e só indivíduos (individualismo metodológico). Os agentes políticos (políticos, burocratas, lobistas, players influentes) são pessoas comuns, com interesses, ambições e necessidades, eles precisam ganhar as eleições, passar no concurso, fazer carreira, trabalhar menos, ganhar dinheiro, ganhar poder e mantê-lo, distribuir favores para ser apoiado de volta: não se vira santo quando se entra em política.

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A política é um jogo de poder, é feita de negociações, ameaças e favores; os políticos não representam ninguém além de si mesmos e dos interesses dos próprios apoiadores.

Aqui tem alguns cientistas políticos de verdade e muito bons também, mas são pouquíssimos.

O Brasil precisa de mais Ciência Politica e menos Filosofia Politica.

Adriano Gianturco é atualmente professor de Ciência Política no Ibmec/MG (Foto: Divulgação)

Boletim da Liberdade: Atualmente, você é professor do Ibmec/MG, que tem no DNA ser uma escola de negócios. Na prática, existe diferença no perfil do aluno de uma escola de negócios ao perfil do aluno de uma universidade tradicional quando estuda assuntos ligados à política?

Me parece que não. A visão idealista perpassa estas fronteiras, no Ensino Médio todos estudaram no mesmo sistema de ensino padronizado monopolista estatal e estatistas, todos viveram no mesmo clima cultural positivista, marxista, desenvolvimentista, nacionalista, idealista. Talvez aqui estejam mais abertos e isso é fundamental.

Boletim da Liberdade: Você lançou esse ano um livro dedicado ao assunto: A Ciência Política (Gen). A quem ele se destina e o que ele traz de novo?

Gianturco lançou livro sobre Ciência Política no início de 2018. (Foto: Divulgação)

É um manual, destinado então primeiramente a estudantes universitários, mas também a todos aqueles que querem entender a política de verdade, que não são ideológicos, que são abertos e que querem uma descrição realista e crua, até porque é bem esquemático, didático e escrito de forma simples.

Tentei escrever o “livro definitivo” para entender a política uma vez para sempre. Uma tentativa certamente ambiciosa. Não tenho a presunção de ter conseguido, mas tenho o dever de tentar. É totalmente novo, aqui no Brasil ninguém nunca ouviu nem falar [em conceitos como] Lei de Ferro da Oligarquia, Minorias Organizadas, Polytical Business Cycle, Rentseeking, Pork Barrel System, Dilema do Jantar, Jogo do Pirata, Ação Coletiva, Maldição da Abundância, Path Dependency, Patrimonialismo, Vantagem do Incumbente, Gerrymandering, Paradoxo de Condorcet, Paradoxo de Ostrogorski, Teorema do Eleitor Mediano, Win-Set, Por que os piores chagam ao topo, Regra micromega, State Building e Nation Building, Logrolling, Captura, Baptist and bootlegers, Ilusões Fiscais e Garbage Can Model.

A política é um jogo de poder, é feita de negociações, ameaças e favores; os políticos não representam ninguém além de si mesmos e dos interesses dos próprios apoiadores.

Boletim da Liberdade: Depois de três anos de intensa crise política, existe grande expectativa para as eleições desse ano no Brasil. O que o estudo da Ciência Política pode dar de perspectiva para esse período que estamos vivendo?

Nada de imediato, mas tudo no longo prazo. Precisamos fazer um passo atrás e observar os fenômenos políticos de longe, com calma, racionalidade e ciência. O leitor vai entender que as coisas não se resolvem colocando no poder a pessoa certa, mas diminuindo o impacto e a centralização do poder. É uma questão sistêmica e não antropológica.

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Olha, no Brasil são muito importantes a Antropologia, a Sociologia (também com um certo viés antropológico), o estudo das varias tribos, índios, autores como Darcy Ribeiro, FHC, Florestan Fernandes, Gilberto Freire, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior e sempre o estudo do Brasil, de suas raízes, suas peculiaridades e suas mazelas. Sempre está a ideia que o Brasil é uma jabuticaba sui generis, que as teorias cientificas validas no mundo inteiro aqui não se aplicam, que precisa-se criar uma teoria própria, uma teoria brasileira, uma teoria para um caso único, ou seja uma não-teoria, um caso ad hoc. Afinal significa se achar demais. É uma obsessão.

A opinião publica pensa a mesma coisa. Quando se é uma pessoa que se acha diferente de todo mundo, é considerada estupida ou é mandada se tratar. É isso que joga fora do debate a Ciência Politica. É errado e gravíssimo.

Manifestantes invadem cobertura do Congresso Nacional, em Brasília, nas manifestações de 2013 (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)

Boletim da Liberdade: Muito se fala no país que existe a “política tradicional”, de “velhos hábitos”, e a “nova política”. Afinal, existe nova política ou é apenas retórica?

As duas coisas. Sim, tem novos entrantes com valores e interesses diferentes, mas se o sistema não mudar eles não vão conseguir fazer nada e serão engolidos ou serão mudados pela máquina. Como já disse [Milton] Friedman, “eleger alguém com boas ideias é bom, mas o ponto é fazer de forma que até os ruins sejam forçados a fazer as coisas certas”. Precisa mudar o modelo de estado, o atual sistema tem que ser revirado ao avesso.

Boletim da Liberdade: Em um cenário de intensa digitalização, existem alguns autores que especulam que o poder político pode ser reduzido ao longo dos próximos anos. Moises Naim, em O fim do Poder, é um deles. Como você enxerga isso e quais são as tendências para o futuro na política?

Pode ser. Mas pode ser também que o estado e a elite politica consigam usar a internet e a tecnologia de forma geral a próprio favor. Olhe por exemplo como o estado Chinês faz isso e como se tornou um verdadeiro Big Brother, uma verdadeira distopia. É sempre difícil fazer previsões macro e multifatoriais deste tipo. O futuro da politica é um assunto tão intrigante quanto obscuro.

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