Liberdade. Uma palavrinha poderosa que a maioria das instituições e influenciadores de orientação liberal, libertária ou conservadora acalenta com respeito e alguma dose de fervor. Feliz ou infelizmente, também, uma palavrinha que, aplicada a situações específicas, suscita as mais acaloradas divergências. Um desses casos é a desafiadora problemática da imigração.
No último dia 6, em sua página pública no Facebook, o professor de Direito e ex-candidato a deputado federal do Rio, também um antigo articulista do Instituto Liberal, Rodrigo Mezzomo, se manifestou sobre algumas bandeiras consideradas por ele como “de esquerda” e disse que quem as sustenta estaria convidado a se retirar de sua lista de seguidores. “Vá procurar os seus”, ele concluiu, “Aqui não é seu lugar”. Entre essas bandeiras estavam a defesa de “livres fronteiras para imigração” e o “globalismo” – do qual a tese das fronteiras abertas seria parte integrante.
No outro lado da questão, Carlos Goés, diretor do Instituto Mercado Popular, manifestou-se em seu perfil pessoal, quando anunciou sua filiação ao Livres, a corrente renovadora do PSL, alegando que aderia à filosofia do partido de “livre fluxo de bens, capitais, pessoas, ideias, ideais e amores”. Essa adesão apaixonada e ampla à “liberdade” como princípio maior envolveria também a “livre imigração”, parte integrante do conjunto de postulados que configurariam uma “sociedade aberta, descentralizada e de mercado”. Nos comentários da publicação, Góes explicitou suas diferenças em relação à outra legenda que procura concentrar o pensamento liberal na política partidária, o Partido Novo: “um pouco velho, pois liberdade não vem em partes”, diz ele. Acrescenta ainda: “dois pontos chaves para mim: não debatem guerra às drogas, são contra liberdade migratória”.
A migração é um tema que pulula, diante da crise de refugiados que se movem para a Europa – principalmente em consequência da guerra na Síria. Correntes de partidos de diferentes tendências na Europa bradam contra o que consideram uma “invasão islâmica”, perigosa para a perpetuação da cultura ocidental. Seus adversários lhes atribuem a pecha de “populistas” ou nacionalistas doentios. No Brasil, a Lei de Migração aprovada no Senado, sob o patrocínio do ministro Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), despertou novamente a discussão que já é tradicional motivo de rusgas dentro do ecossistema pró-liberdade. Quais as opiniões e teorias que circulam nesse meio sobre o assunto? É o que o Boletim tenta sintetizar nesta matéria especial.
O choque entre os partidos
O Partido Novo e o PSL/Livres – o primeiro, um partido completamente inédito registrado recentemente, o segundo um esforço novo de transformação de um partido antigo – são duas legendas que polarizam a atração de novos quadros de teor liberal. A posição de Carlos Góes já deixou claro que os dois têm diferentes abordagens sobre o tema.
Do ponto de vista ideológico, o Novo não firma posição definitiva sobre determinados temas porque tem uma amplitude maior – algo que Góes enxerga como um defeito. Isso significa que existem filiados com tendências diversas, desde que assumam a coerência com determinados princípios gerais. Com relação à imigração, o advogado e suplente de vereador Alexandre Freitas publicou um artigo no site oficial do Novo no último dia 24 de abril – com a devida ressalva de que “Os textos refletem a opinião do autor e não necessariamente do Partido Novo”.
Em seu artigo, Alexandre já começa dizendo que “abrir as porteiras do Brasil” não “é nada bom”, em referência especificamente ao projeto de lei defendido por Aloysio Nunes. A lei, a seu ver, “só perde em utopia para a nossa Constituição” e “quer garantir aos imigrantes e estrangeiros residentes de fronteira todos os direitos sociais que são garantidos aos brasileiros natos e naturalizados”, estendendo alguns deles ainda “aos turistas / visitantes”, o que seria “catastrófico” para as contas públicas. A proposta, em sua opinião, é “populista, globalista e demagógica”, atendendo apenas a “interesses políticos”.
Por outro lado, o Livres, em suas redes sociais, se manifesta de forma amplamente favorável às medidas de imigração. O partido ressalta sua convicção em que a nova legislação é positiva, permitindo a legalização de estrangeiros com “menos burocracia” e o seu “acesso aos serviços públicos”. Ao contrário de Alexandre, os membros do Livres acreditam que os imigrantes, na verdade, “também bancam o país”. Isso porque eles afirmam que mesmo os imigrantes ilegais pagam muitos tributos, já que no Brasil “65 % do volume total que pagamos em impostos estão embutidos no consumo”, e eles precisam consumir como qualquer pessoa. O Livres acredita também que a lei é cautelosa em conter a vinda de eventuais criminosos para o país, negando autorização de residência a estrangeiro condenado criminalmente. “A circulação de pessoas e ideias e o acolhimento de indivíduos honestos em busca de melhores condições de vida são pilares fundamentais para construção de uma sociedade livre”, finalizam.
O globalismo e a invasão islâmica: a atitude conservadora
Algumas correntes de opinião mais próximas ao conservadorismo costumam externar posicionamento divergente, transportando suas reflexões, em especial, para o contexto europeu. Acreditam que o multiculturalismo é, em alguma medida, uma ingenuidade, e que é preciso tomar medidas para evitar que a cultura ocidental – e a segurança pública também – sejam ameaçadas pelo extremismo islâmico.
O publicitário e comentarista político Alexandre Borges, por exemplo, diz que a mentalidade de “portas abertas” significa “brincar de importar o conflito do Oriente Médio para cá”, com “a sempre prestimosa ajuda da imprensa-hipster-lacradora”. Ele fez referência a um caso em que o dono de um restaurante “palestino” em São Paulo foi preso envolvido num atentado à bomba que atingiu uma “manifestação pacífica contra a lei de imigração”.
Seu amigo, o economista e blogueiro Rodrigo Constantino, hoje na Gazeta do Povo, comenta que, definindo-se como liberal, moveu-se gradualmente em uma direção mais conservadora. Contudo, já em 2007, ele introduzia algumas reflexões críticas à ideia de uma completa e incondicional defesa da livre imigração, notadamente associada aos programas assistencialistas do Welfare State. O debate se liga a um conceito muito referenciado internacionalmente e, no Brasil, em especial, pelo filósofo paulista Olavo de Carvalho: o globalismo.
Em vídeo que publicou no Youtube, Constantino explica o globalismo como um esquema de fortalecimento de instituições supranacionais, prontas a ditar regras a diferentes países que vão desde a economia até, justamente, a migração. Portanto, para ele, é simplista e errôneo acreditar que o “globalismo, controlado por uma patota”, seja a mesma coisa que a “globalização”, que ele defende e sempre defendeu. Para os defensores dessa tese, a orientação centralizada que avança sobre as soberanias nacionais está facilitando a recepção exagerada de migrantes do Oriente, cujas preferências culturais criam conflitos perigosos e não se sujeitam aos figurinos da identidade nacional.
A questão Bolsonaro
Em mais uma de suas colocações alheias ao politicamente correto, o parlamentar, cotado para presidenciável em 2018, afirmou que “o Brasil é a nossa casa” e não podemos fazer dele “a casa da mãe Joana”. Sobre a entrada de imigrantes e refugiados, ele sustentou que “é lógico que devemos ter compaixão por essas pessoas, mas é preciso ter controle, porque junto com eles vem uma minoria que é a escória e o preço pode ser muito alto para nos livrarmos dessa escória no futuro”.
Ostermann retrucou, ressaltando que o Brasil “é um país de imigrantes”. Segundo ele, seus antepassados, ao chegarem da Alemanha e da Itália, também eram “considerados a escória, o dejeto do povo europeu, que não tinham condições de se manter lá e vieram com a roupa do corpo”. Porém, de acordo com o relato do Infomoney, o ex-candidato a prefeito pelo Livres também não defendeu uma liberação total e irrestrita da imigração, enfatizando ainda que concorda com a necessidade de “corrigir os incentivos perversos do sistema, que possibilitam que pessoas simplesmente vivam aqui às custas dele”.
O debate sobre o assunto, como se pode ver, vai longe. Internacionalmente e nacionalmente, dentro ou fora do ecossistema pró-liberdade, essa é uma questão repleta de complexidades e dilemas, que conversa com os dramas mais profundos da atualidade. A unanimidade é a seguinte: seja qual for a melhor resposta a esse desafio, aquela que se adotar dirá muito do futuro a ser aguardado, como nação e como humanidade.