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Itamaraty vive dia inteiro de homenagens ao diplomata liberal Roberto Campos

Seminário reuniu acadêmicos, ex-embaixadores e economistas para prestar tributo ao centenário liberal mato-grossense; o Boletim estava lá e conta como foi
(Foto: Reprodução: Instituto Millenium)
(Foto: Reprodução: Instituto Millenium)

O tradicional Salão Nobre do Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, viveu nesta terça-feira (18/04) uma manhã-tarde histórica. Das nove da manhã até pouco depois das seis horas da noite, o espaço foi frequentado por figuras de relevo do universo da diplomacia e da Economia que vieram prestar seu tributo a uma das mais expressivas personalidades brasileiras: o liberal Roberto Campos, que completaria 100 anos no dia anterior.

O seminário Roberto Campos: o homem que pensou o Brasil foi organizado pelo diplomata Paulo Roberto de Almeida e pela Fundação Alexandre de Gusmão, com parceiros como o Instituto Millenium. Bem ao lado da entrada do salão, havia um estande com vários livros disponíveis para compra. Além de alguns clássicos de Campos, como o próprio A Lanterna na Popa, duas obras em homenagem ao seu centenário: O Homem que pensou o Brasil: Trajetória intelectual de Roberto Campos, organizado pelo próprio Paulo Roberto com outros onze intelectuais e lançado pela Appris Editora, e Lanterna na Proa: Roberto Campos Ano 100, editado pela Livraria Resistência Cultural e organizado por Ives Gandra Martins e Paulo Rabello de Castro, com textos de 62 autores.

(Foto: Divulgação / Funag)
(Foto: Divulgação / Funag)

O seminário, de muitas maneiras, foi do jeito que Roberto Campos gostaria: repleto de piadas, referências divertidas às suas críticas mordazes à esquerda e até alguns princípios de discussão mais inflamada, ao estilo dos seus debates acalorados. O Boletim esteve presente e conta o que aconteceu em cada mesa do evento.

Mesa 1: O intelectual

Antes de os palestrantes se sentarem à mesa, aconteceu uma breve série de discursos de abertura. O destaque ficou para o próprio Paulo Roberto de Almeida, que contou uma divertida história. Durante a elaboração do livro que organizou, sua esposa lhe teria dito para escolher entre ela e Campos, tamanha a dedicação que estava investindo no projeto. “Felizmente, tudo se resolveu”, disse, entre risos. Almeida também disse que a intenção era que todos os palestrantes se “divertissem”, evocando o espírito bem humorado do próprio personagem homenageado.

Em seguida, teve início a mesa que tinha por tema sugerido a discussão sobre as concepções intelectuais de Roberto Campos. O primeiro a falar foi Ernesto Lozardo, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Ele contou como recuperou a famosa dissertação de mestrado de Campos em 1947 na universidade George Washington, uma raridade que o próprio economista havia perdido. Lozardo disse que Campos foi generoso com ele ao protege-lo do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social do regime militar) e salientou que acreditava na época em uma espécie de “socialismo cristão”, mas descobriu que o liberal mato-grossense é que tinha “a solução para o Brasil”. Anunciou ainda que está produzindo um livro sobre o pensamento econômico de Campos.

Ney Prado, presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, ocupou quase todo o seu discurso lendo as duras críticas de Roberto Campos à Constituição de 1988, arrancando risos dos presentes. Em seguida, o professor Ricardo Vélez Rodríguez, docente da Faculdade Arthur Thomas, de Londrina, e autor de obras lançadas pelo Instituto Liberal, pesquisador do patrimonialismo brasileiro, comparou Campos aos liberais doutrinários franceses, com “coragem de chutar o pau da barraca” e um crítico radical das instituições, ao mesmo tempo em que crente nelas e na possibilidade de melhorá-las.

Reginaldo Perez, cientista político e professor na UFSM do Rio Grande do Sul, defendeu uma tese acadêmica sobre o pensamento político de Campos, e discursou sobre seu perfil de modernizador. Definiu-o como um dos maiores, “se não o maior”, pensadores brasileiros do século XX, e frisou: “ele era brasileiro e pensou o Brasil. O nome deste senhor não é Bob Fields, é Roberto Campos”. A mesa terminou com Eduardo Viola, professor da UnB, que ressaltou a evolução de Campos para um pensamento cada vez mais liberal e fez observações com um tom crítico à sua defesa da ideia de que o regime militar apresentava um “autoritarismo consentido”, o que, a seu ver, o afastaria da dimensão política do liberalismo, mas frisou que, em todas as suas fases, Campos defendeu com afinco o alinhamento do Brasil “à ordem liberal ocidental, dirigida pelos Estados Unidos”.

Mesa 2: O parlamentar

Como político, Roberto Campos foi senador e deputado federal. O jornalista Merval Pereira, membro da Academia Brasileira de Letras, definiu sua atuação no Congresso como Campos mesmo a sintetizava: “uma sucessão de derrotas”. Contou algumas curiosidades daquele tempo e ressaltou o pragmatismo do mato-grossense, que “respeitava intelectualmente Fernando Henrique Cardoso” e elogiou o líder chinês Deng Xiaoping pelas reformas mais pró-mercado que realizava, ainda que sob comando de um Partido Comunista.

O professor da UnB e consultor legislativo Antônio José Barbosa foi bastante aplaudido em um longo comentário em que abordou a missão do historiador, que comparou à de um detetive, e descreveu os grandes discursos de Campos como momentos memoráveis que nenhum parlamentar queria perder. No primeiro deles, “fez um inventário de sua vida e pediu para não ser interrompido, o que era anti-regimental. Mesmo assim, todos obedeceram”. Já o também professor da UnB e assessor legislativo, Paulo Kramer, fez uma comparação entre Campos e o francês Raymond Aron, e definiu Roberto como um pensador “dionisíaco” pelo seu espírito divertido. O clima esquentou quando um diplomata na plateia defendeu medidas do governo lulopetista na área da Educação e Kramer elevou a voz para contradizê-lo.

Mesa 4 (Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo)
Mesa 3 (Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo)

Mesa 3: O estadista e modernizador

Nesta mesa, após um intervalo para o almoço, grandes nomes da Economia se reuniram para destacar a importância de Campos em suas formações. A mesa foi logo aberta pelo ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, conhecido pela sua importância no Plano Real. Franco fez uma crítica velada ao governo Dilma e disse que as críticas de Roberto Campos a Fernando Henrique ajudaram a ala mais liberal do ministério, da qual ele fazia parte, a tornar o Plano Real um sucesso.

Roberto Castello Branco, diretor da FGV-RJ e ex-diretor do Banco Central, afirmou que “o momento atual evidencia a atualidade e correção das ideias que Campos defendia”. Em discurso bastante focado na atualidade, ele atacou o Estado intervencionista e sua associação com os “capitalistas contra o capitalismo”, e se pôs a um interessante exercício: refutar todos os ataques sutis a Campos que encontrou em textos jornalísticos na semana.

O momento atual evidencia a atualidade e correção das ideias que Campos defendia

O economista e professor Luiz Alberto Machado afirmou que a fase intervencionista de Roberto Campos sempre foi marcada pelo esforço por redesenhar rumos e estruturas, nunca tornar o Estado empresário, e disse que o fio condutor da sua atuação sempre foi a meritocracia. Finalmente, o economista Rubens Novaes, que já escreveu artigos para o Instituto Liberal, disse que Campos e Milton Friedman foram seus dois gurus, e que o mato-grossense foi “o melhor dos nossos frasistas”, pondo-se a recitar algumas sentenças do homenageado.

A mesa terminou com algumas trocas interessantes de comentários. Em clima fraterno, Castello Branco e Gustavo Franco divergiram sobre a comparação entre o PAEG (plano econômico de Roberto Campos no primeiro governo militar) e o Plano Real. Franco disse que o Plano Real foi superior, ainda que talvez por certa “razão paternal”, e afirmou que pensadores como Roberto Campos deixaram o caminho aberto para as reformas que ele e seus colegas implementaram. O organizador Paulo Roberto de Almeida aproveitou para citar artigo que publicou no site Spotniks, Dez grandes derrotados da nossa história, em que apontou Gustavo Franco como herdeiro intelectual de Campos.

Mesa 4: O diplomata

A última mesa do dia abordou a atuação diplomática de Roberto Campos. Primeiro falaram dois embaixadores que trabalharam com ele: Vitoria Alice Cleaver, presidente da ADB, e Marcilio Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda no governo Collor. A embaixadora ressaltou a difícil relação entre Campos e o presidente Geisel, e definiu-o como “tímido, discreto, mas ativo, erudito e arguto”. Já o embaixador preferiu fazer menção honrosa à equipe que cercou Campos em suas tarefas, apontando-o como um competente “aliciador de talentos, inclusive sem discriminação ideológica”.

Em seguida, a palavra ficou com Rogério de Souza Farias, gestor público do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que fez uma apresentação em Power Point com dados numéricos da atividade de Campos como diplomata em comparação com outras personalidades que ocuparam as mesmas funções desde a proclamação da República. O último palestrante foi José Mario Pereira, editor da Topbooks que publicou A Lanterna na Popa. José Mario leu um depoimento sobre sua convivência com o “doutor Roberto”, revelando gratidão por ter sido escolhido entre várias outras editoras e trazendo relatos engraçados.

O seminário terminou com um autêntico “puxão de orelha”. É que o embaixador Jerônimo Moscardo, convidado por Paulo Roberto de Almeida para dizer ao seu lado as palavras finais, foi entusiasticamente aplaudido ao dizer que, quando se fala em PAEG e Plano Real, os nomes dos ex-presidentes Castelo Branco e Itamar Franco precisam ser mencionados, porque foram as autoridades que permitiram a realização desses planos, e eles não tinham sido mencionados em destaque nenhuma vez durante todo o dia.

Errata (atualizado em 20/04, às 12h20): o embaixador que fez o discurso de encerramento ao lado de Paulo Roberto de Almeida foi Jerônimo Moscardo, vice-presidente da Funag, e não Sérgio Moreira Lima, o presidente, que esteve viajando.

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