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Desafios da comunicação de um partido liberal, por Mano Ferreira

O Boletim da Liberdade convida toda semana uma liderança do ecossistema pró-liberdade para compartilhar, em forma de artigo, aprendizados e experiências que possam ser interessantes e úteis

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Foto: Editoria de Arte

MANO FERREIRA*

Era um adolescente arrogante que mal sabia sobre mim mesmo, mas achava que podia ordenar o mundo. Estudava no Colégio de Aplicação da UFPE, uma ilha com altíssimo custo para os pagadores de impostos, mas onde tive uma boa educação, fiz muitos afetos e iniciei no movimento estudantil. Escrevia para um jornalzinho escolar chamado CAp&Tal, referência a um certo barbudo que eu mal tinha lido, mas sobre quem conversava muito com um professor de educação física filiado ao PSTU. Foi nesse contexto pessoal, do alto dos meus 14 para 15 anos, que uma aula de história da arte mudou pra sempre a minha vida.

Falávamos sobre as vanguardas modernistas quando a professora exibiu A Traição das Imagens, de um pintor belga surrealista chamado René Magritte. Era bem simples, mas me deixou intrigado: um cachimbo pintado em cima; uma frase escrita abaixo. Ceci n’est pas une pipe. Isto não é um cachimbo. Como não, se eu tinha certeza?

É um tanto peculiar, mas foi assim que me tornei um liberal. A partir de uma certeza rompida. A sala estava escura, gelada do ar-condicionado, o projetor iluminando a parede com um cachimbo que era só um quadro. Foi ali que me dei conta pela primeira vez da distância entre realidade e representação, verdade e visão de mundo.

Minha cabeça nunca mais foi a mesma e quando finalmente resolvi ler aquele Karl barbudo, tudo já soou velho demais. Quem acabou me encantando foi um xará austríaco que achei por acaso na internet: Popper. Também escutava um programa de rádio sobre livros e ideias, o Café Colombo, onde ouvi falar de McCloskey, Meira Penna, Friedman, OrdemLivre…

Muitas leituras depois e não só estava conectado ao ecossistema liberal como fui me aproximando do que era o seu centro nervoso, ajudando a organizar o Liberdade na Estrada em Recife e, depois, já estudante de jornalismo, participando da criação do Estudantes Pela Liberdade (hoje SFL Brasil), de onde fui o primeiro diretor de comunicação.

Um pouco depois também colaborei com o início do Mercado Popular enquanto, em paralelo, cuidava da minha trajetória profissional, primeiro trabalhando em jornais pernambucanos, depois entrando no mercado de consultoria em comunicação institucional e virando sócio do Café Colombo (sim, aquele mesmo programa).

A experiência no LIVRES

No início do ano passado recebi um convite para o maior desafio que eu poderia ter, juntando minha dedicação profissional ao meu amor por liberdade: estruturar, do zero, a comunicação de um partido nascente, o LIVRES, incubado no PSL, de 18 anos. Uma aventura que ainda tem muitos capítulos por escrever, mas que já tem rendido fortes emoções.

Junto a Felipe Melo França, Sérgio Bivar e Fabio Ostermann, nossa primeira missão foi convencer figuras-chave do ecossistema liberal a aderirem ao projeto e assim conquistar mão-de-obra qualificada para, digamos, erguer e mobiliar a casa sobre aquele terreno que estávamos aplainando.

Desde o início, o objetivo máximo do projeto é contribuir para a construção de um Brasil mais livre, uma conquista que definitivamente não se atinge isoladamente através de uma sigla que disputa eleições, mas através de uma mudança do clima de ideias como um todo. Dessa forma, sempre tivemos em mente que o LIVRES deve ser a expressão partidária de um ecossistema de ideias que agregue parcela significativa da sociedade organizada a partir de um escopo ideológico comum, mas com ampla diversidade: uma frente ampla pró-liberdade.

Sempre tivemos em mente que o LIVRES deve ser a expressão partidária de um ecossistema de ideias que agregue parcela significativa da sociedade organizada a partir de um escopo ideológico comum, mas com ampla diversidade: uma frente ampla pró-liberdade

Todo esse contexto, somado ainda a um senso de urgência causado por uma eleição municipal que batia na porta, implicava uma estratégia de comunicação imediata extremamente nichada, para um público-alvo bem específico e altamente exigente.

A ferramenta era o Facebook. O ponto fraco? Vencer o saudável ceticismo liberal com partidos. A vantagem óbvia? Eu mesmo era parte desse público, então, de certo modo, era quase como falar com o espelho.

Sabíamos as carências e demandas reprimidas a atacar e é verdade que apelamos um pouco enquanto nos divertíamos fazendo a página oficial de um partido político brasileiro esbanjar menções a Mises, Friedman, Hayek, Mill, Rand, Nabuco, Bastiat – e colocar vários deles juntos numa imagem de capa.

Assumimos a gestão da fanpage com pouco menos de 2 mil likes e, em 3 meses sem nenhum patrocínio, saltamos para 41 mil curtidas orgânicas. Chamamos atenção do ecossistema e atraímos lideranças significativas.

Mais alguns meses e éramos uma pequena jangada que amarrava suas cordas enquanto enfrentava o mar aberto de uma disputa eleitoral. Foram 21 candidatos em 16 cidades nas 5 regiões do país, com 3 vereadores eleitos (Lucas de Brito, em João Pessoa; Emerson Jarude, em Rio Branco; e Professora Eleika, em Natal), 4 suplências na trave (Saulo Vieira, em Aracajú; Desirée, em Goiânia; Rodrigo Marinho, em Fortaleza; e Priscila Chammas, em Salvador), além de candidaturas com lisura, coerência e desempenhos extremamente respeitáveis.

Desde então o trabalho se ampliou bastante, alcançando outras redes sociais, inserções em rádio e TV, site institucional, inbound marketing, manuais internos, treinamento, estratégia, avaliação e aprendizado. Muita avaliação e aprendizado.

A lição que aprendi com Magritte, lá atrás, permanece atual. E Hayek a complementa com sólida pertinência: a arrogância é fatal. Repare: a minha tendência por juntar artistas e filósofos não é à toa. Os teóricos liberais precisam de estetas, porque comunicação política não é filosofia. Não importa somente o que é dito, mas sobretudo o que é compreendido e as emoções que nós somos capazes de despertar.

Não importa somente o que é dito, mas sobretudo o que é compreendido e as emoções que nós somos capazes de despertar.

O desafio fundamental da comunicação liberal

Por muito tempo, o senso comum brasileiro costumou ser hostil aos rótulos liberais de tal modo que, em muitos meios, a palavra “neoliberal” representa um xingamento. Isso tem começado a mudar, mas ainda não acabou.

Na prática, nos habituamos a ter poucos incentivos sociais para que alguém se perceba ou se declare publicamente como um liberal. Em muitos casos, isso implica assumir um verdadeiro custo social, que funciona como uma espécie de barreira alfandegária e desincentiva o crescimento do liberalismo. É verdade que temos crescido muito enquanto movimento, mas ainda não nos livramos dessa carga.

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Esse fenômeno implica uma consequência direta sobre o perfil médio dos liberais brasileiros que muitas vezes dificulta a ampliação do nosso alcance. Repare o seguinte: quando assumimos nosso liberalismo, significa que decidimos arcar com o custo social associado a essa posição, ou seja, avaliamos que outros aspectos desse processo de tomada de posição nos causam benefícios pessoais maiores, que superam esse custo de imagem. Geralmente trata-se de uma satisfação intelectual, o que revela outro elemento do nosso perfil majoritário: uma forte tendência racionalista.

Acontece que uma vez decididos a arcar com a carga negativa por nossa posição, enfrentamos um grande risco de radicalização do discurso. É que quando nos livramos da preocupação com o constrangimento social, acabamos arriscando ainda mais na tomada de posições extremadas. Em outras palavras, o liberal médio não se preocupa tanto assim em ser bem visto. Ter razão importa mais do que ser feliz.

O liberal médio não se preocupa tanto assim em ser bem visto. Ter razão importa mais do que ser feliz

O problema é que essa visão de mundo é compartilhada por poucos. E mudança política só se faz com muita gente. Por isso, não podemos nos fechar em um gueto. Precisamos estar atentos à janela de possibilidades políticas, de modo a moldar nosso discurso fora dos extremos. Não podemos nos dar ao luxo de ser o PSTU do liberalismo. O custo seria a irrelevância política.

Nesse contexto, a nossa missão maior a frente da comunicação do LIVRES é justamente buscar contribuir para modificar o clima de ideias do país criando uma estética liberal que seja capaz de gerar bons sentimentos e inverter a equação, fazendo com que a identidade liberal passe a significar um benefício à imagem perante a sociedade.

Em outras palavras, precisamos quebrar o tão famoso monopólio da virtude para fazer com que ser liberal signifique ser visto como uma pessoa melhor. Afinal de contas, é com muito orgulho que nós somos liberais. De Adam Smith a Joaquim Nabuco, sempre nos constituímos pelo amor à liberdade alheia. É hora de espalharmos esse sentimento.

MANO FERREIRA, jornalista, é diretor de comunicação do Partido Social Liberal. Foi convidado a escrever esse artigo de opinião para o Boletim da Liberdade.

 

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