Por que o Brasil investe menos que outros países no combate ao COVID-19? - Coluna Instituto Millenium

Por que o Brasil investe menos que outros países no combate ao COVID-19?

21.04.2020 06:45

Gasto público aumenta em todo o mundo; por aqui, a burocracia impede maior rapidez no atendimento

Há pouco mais de um mês, o Brasil começou a ser fortemente atingido por uma onda que já havia passado pela Ásia, Europa e EUA, com efeito devastador: a pandemia do novo coronavírus. Os casos explodiram; os números de mortes por conta da doença são alarmantes; e as pessoas, seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), fecharam estabelecimentos comerciais, passaram a trabalhar de suas casas e se recolheram. Certamente você, caro leitor, já foi afetado por essa situação. Uma crise sem precedentes que gerou medidas excepcionais. Mas, passado esse período, é hora de parar e analisar: quais foram as medidas adotadas pelos governos para vencer a avassaladora pandemia? Estamos enfrentando o problema de forma adequada? É isso que o Millenium Fiscaliza de hoje vai analisar.

Primeiro, é preciso colocar as coisas no seu devido lugar. As experiências da China e da Europa deixam claro que, apesar das consequências drásticas, a suspensão das atividades econômicas e o isolamento social são a melhor maneira de amortecer a curva e evitar um grande número de mortes, bem como um colapso nas redes pública e privada de saúde. Desta forma, a disseminação perde força em menos tempo, e o país pode voltar aos trilhos o quanto antes. Justamente por conta dessa necessidade de se desligar a economia “da tomada”, os governos têm atuado fortemente para amenizar os efeitos econômicos.

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Maior economia mundial e epicentro global da pandemia neste momento, os EUA reduziram as taxas de juros em 150 pontos-bases para índices que variam entre 0% e 0,25%. Trilhões de dólares foram injetados na economia, após acordo de recompras que inundaram os mercados. Também foram criadas linhas de swaps com grandes bancos centrais para financiamento, entre outras medidas. No plano fiscal, o Congresso norte-americano está para aprovar um pacote de estímulo da casa de US$ 2 trilhões. Isso inclui um fundo de US$ 500 bilhões para o auxílio às indústrias afetadas e pagamentos diretos de até US$ 3 mil a milhões de famílias.

A União Europeia, que já havia sido bastante afetada pela pandemia em março, também atuou pesado: € 120 bilhões foram adicionados ao programa de compra de ativos. Outros € 750 bilhões também foram flexibilizados. Ou seja: um investimento anti-crise que chega à casa de espantosos € 1,1 trilhão. As taxas de juros para Operações de Refinanciamento de Longo Prazo, em 25 pontos bases, estão negativas em 0,75%. Além disso, foram suspensos limites dos empréstimos do governo da União Europeia. Isso permite linha de crédito de precaução no valor de 2% do PIB nacional no fundo de resgate do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Quando se olha para as ações individuais na Europa, os números também chamam atenção para a magnitude das medidas adotadas: a Espanha anunciou pacote de € 200 bilhões: metade das ações para garantias de crédito para as empresas; e outra metade para empréstimos e auxílios aos vulneráveis. A Alemanha apresentou pacote que chega a € 750 bilhões: € 100 bi para um fundo de estabilidade econômica, que permite ao governo ter participação direta nas empresas; € 100 bilhões em crédito ao banco público de desenvolvimento para empréstimos a empresas em dificuldades; € 400 bi oferecidos pelo fundo de estabilidade em garantias de empréstimos para garantir dívidas corporativas, sob risco de inadimplência.

Na Ásia, a China – primeiro grande foco da pandemia – reduziu as taxas de empréstimo de um ano para 4,05%, após várias injeções de liquidez. O financiamiento para empresas de pequeno e médio porte foi facilitado, com aumento em 500 bilhões de yuans em cotas de reempréstimos e redesconto. Além disso, trilhões de yuans devem ser liberados em medidas de estímulo fiscal. O investimento em infraestrutura deve ser um dos focos da ação, com aporte da monta de US$ 394 bilhões.

No Brasil, a burocracia emperra a tomada de medidas

E no Brasil? Bem, por aqui, as taxas de juros, que já estavam em tendência de queda, caíram para 3,75%. Também houve uma redução de requisitos de capital para as instituições financeiras. O Banco Central também estruturou um programa de R$ 1,2 trilhão para injetar liquidez, comprando pacotes de carteiras de empréstimos bancários. Também criou novas regras para que os bancos possam oferecer empréstimos maiores e com melhores condições; e está intervindo nos mercados de câmbio. O estímulo fiscal, até agora, ficou em um programa de R$ 150 bilhões para auxiliar quem mais está sofrendo com a paralisação da economia – em especial autônomos e trabalhadores informais. O pacote, chamado erroneamente de “coronavoucher”, é um programa de auxílio emergencial de R$ 600 por pessoa.

Além disso, o governo central pode ter uma flexibilidade maior para os gastos públicos neste momento. Está em debate a Proposta de Emenda à Constituição 10/2020, apelidada de PEC do Orçamento de Guerra. Conforme explicou o economista Sérvulo Dias nesta semana, em entrevista ao Instituto Millenium, a proposta cria um regime extraordinário, “que irá facilitar a execução orçamentária de medidas emergenciais, afastando dispositivos constitucionais e legais aplicados em situações de normalidade”. Com isso, lembra Sérvulo, a proposta “busca dar mais agilidade à execução de despesas com pessoal, obras, serviços e compras do Poder Executivo durante o estado de calamidade pública”.

Até agora, no entanto, as medidas estão em um patamar abaixo do que já foi anunciado por outros países. É só fazer as contas: no Reino Unido, por exemplo, estão sendo gastos 17% do Produto Interno Bruto (PIB) apenas em medidas de superação ao coronavírus, mesmo índice da Espanha. Nos EUA, há uma negociação entre governo e Congresso para que esses investimentos cheguem a 11,3% do PIB. E por aqui? Bem, por aqui… Até agora, apenas 4% do PIB estão sendo gastos, de acordo com levantamento do economista Manoel Pires, do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Pires coloca nessa conta ações como a antecipação do décimo terceiro salário de aposentados e pensionistas, a redução temporária de impostos para empresas, a ampliação do Bolsa Família e a transferência de recursos para estados e municípios.

Com esses dados, você deve estar se perguntando: por que o Brasil está demorando para tomar essas medidas? A explicação, mais uma vez, está na burocracia, que tanto emperra a nossa vida em diferentes áreas. Pois é: nem mesmo a possibilidade de passarmos pela maior crise da história eliminou ou reduziu as amarras do Estado. Para que você tenha uma ideia, a PEC do Orçamento de Guerra, importante para permitir que o governo federal tome ações com maior agilidade, parou no Senado porque… Parte dos senadores não aceitam fazer votação virtual para este tipo de assunto, como se houvesse alternativa neste momento.

Outro ponto que foi discutido era com relação ao prazo para a liberação dos R$ 600 do Auxílio Emergencial. Acontece que há um trâmite legal para viabilizar os recursos e descontingenciar a verba. Liberar esse dinheiro sem critério e sem atender os trâmites legais implica em uma série de barreiras legais e jurídicas e faria com que o governo incorresse em crime fiscal, assim como aconteceu na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff. Ou seja: não se trata de má vontade, mas é preciso se atentar para a questão legal para que isso não gere maiores consequências.

Outro falso argumento apresentado é com relação a uma eventual “crise do liberalismo”, por conta da intervenção dos governos. É justamente o contrário! Em um regime onde o Estado é enxuto, investindo apenas nas áreas essenciais, os gastos desnecessários somem, e sobram recursos justamente para os investimentos necessários e em situações de crises, extremas, como agora. Além disso, com um molde mais liberal da economia também é possível garantir maior rapidez nas respostas.

Importante é aplicar bem os recursos

A gente está aqui falando da importância dos investimentos nas ações para recuperar a economia e evitar que a pandemia cause ainda mais efeitos devastadores para a saúde e o bolso dos brasileiros. Beleza. Mas nada disso adianta se não houver uma boa aplicação destes recursos. E essa não é uma preocupação só nossa. Professor de Economia da Universidade de Berkeley e pesquisador do Instituto Peterson de Economia Internacional, Maurice Obstfeld alertou para o perigo da má aplicação dos recursos. Ele citou a ideia da Casa Branca de suspender o pagamento dos impostos dos trabalhadores, uma medida que teria efeito praticamente nulo para pessoas com renda mais baixa. “Precisamos fortalecer as redes de proteção social, manter as empresas e dar incentivos para que elas não demitam trabalhadores”, diz o acadêmico.

Dica do Millenium

Você pode ajudar a fiscalizar e defender o melhor uso das verbas públicas. Pressione o seu deputado ou o seu senador sobre a necessidade de aprovação rápida das medidas emergenciais e do bom uso dos recursos públicos.

Outra boa proposta que merece ser apoiada e que vai ajudar o Brasil a superar o momento de crise é uma série de reformas para estabelecer prioridades no gasto público. O movimento Apoie a Reforma, integrado pelo Instituto Millenium, defende a aprovação do Projeto de Lei 6726/16, que já está tramitando na Câmara. A ação prevê um ganho de R$ 2 bilhões com o fim dos penduricalhos e supersalários no funcionalismo público.

Outra fonte de receita que pode ser usada na superação da crise é o uso das verbas que seriam destinadas ao Fundo Eleitoral. São mais de R$ 2 bilhões de dinheiro público que serão utilizados com panfletos, adesivos, carros de som e propaganda na televisão e no rádio. Se isso já é discutível em momentos normais, imagine você o quão descabido é isso agora, quando há uma ameaça de colapso social e sanitário. Pressione, cobre e fiscalize! Faça a sua parte!

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