Saiba como privatizar o saneamento básico pode reduzir a mortalidade infantil - Coluna Debate Aberto

Saiba como privatizar o saneamento básico pode reduzir a mortalidade infantil

23.06.2020 03:45

*André Bolini

Já é sabido que o saneamento básico é condição essencial para a redução da mortalidade infantil. A falta de coleta e tratamento adequado de água e esgoto aumenta a incidência de infecções gastrointestinais e doenças transmitidas por mosquitos. E, no Brasil, esse panorama é especialmente alarmante: mais de 14% das crianças e adolescentes brasileiros não têm água potável em casa, número que representa 1,6 milhão de crianças, de acordo com o Instituto Trata Brasil. A cada 1.000 nascidos vivos brasileiros, a taxa de mortalidade de crianças com até 5 anos é de 16,4 mortes, em comparação com os vizinhos Chile (8,1 mortes) e Argentina (12,5 mortes). No Brasil, são 6 mil crianças que morrem todos os anos com doenças ligadas à falta de saneamento.

E como levar saneamento para todos? A resposta vem com a proposição de um novo Marco Legal do Saneamento para trazer maior participação do setor privado. Atualmente, somente 6% do setor é coberto por empresas privadas, enquanto os outros 94% são de responsabilidade de companhias de água e esgoto estatais. Para efeitos de comparação, no Chile, 94% do mercado é atendido por empresas privadas e a rede de esgotamento tem cobertura superior a 99% da população – enquanto que, no Brasil, apenas 53% têm coleta de esgoto. Por isso, dentre outras coisas, o Marco Legal do Saneamento exige dos municípios abertura de licitação a mercado, proibindo a contratação direta de empresas estatais sem antes haver concorrência de empresas privadas. E por que trazer empresas privadas é tão importante? Vamos aos fatos!

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Comparar os efeitos de uma política pública pode ser difícil porque, via de regra, os resultados são dados de “antes” e “depois”, enquanto o ideal é comparar dois grupos aleatoriamente selecionados – um adotando a política pública a ser analisada e o outro não – no mesmo período de tempo. E esse foi o caso da Argentina, na década de 1990, no processo de privatização das companhias de água e esgoto em 30% de suas cidades. O estudo foi conduzido por Sebastian Galiani, em 2003, e serve como referência até hoje para o setor. As semelhanças com o panorama brasileiro são notáveis e, por isso mesmo, o caso argentino talvez seja um ótimo comparativo para o debate público no País.

Na década de 1980, a Argentina passou por uma severa crise fiscal, com inflação crescente e déficits volumosos nas finanças públicas. Já na década de 1990, o governo lança um programa ambicioso de reestruturação do país com mais equilíbrio das contas públicas e controle da inflação, incluindo a privatização de empresas públicas. A capacidade de investimento das estatais argentinas era mínima, considerando o pequeno espaço fiscal dentro do orçamento para investir (situação similar à brasileira, diga-se de passagem), enquanto que companhias privadas conseguiram aumentar consideravelmente o nível de investimento e reposição da depreciação da infraestrutura.

O programa de privatizações da Argentina foi amplo: desde o setor elétrico e petrolífero até mesmo às companhias de telecomunicações, transporte, correspondência e de saneamento básico. E, entre 1991 e 1999, metade das companhias locais de água e esgoto (correspondente à cobertura de 30% dos municípios da Argentina) foram privatizadas enquanto as outras cidades continuaram nas mãos de companhias públicas. Em Buenos Aires, por exemplo, foram abertas licitações em que as empresas competiam para ganhar o contrato público oferecendo as menores tarifas para o serviço de cobertura. Já no caso de Córdoba e Corrientes, empresas privadas deveriam pagar royalties ao Poder Público pela concessão do serviço de saneamento.

A conclusão do estudo é impressionante: a privatização das companhias de água esgoto está associada a uma redução média de 8% na taxa de mortalidade infantil.

A conclusão do estudo é impressionante: a privatização das companhias de água esgoto está associada a uma redução média de 8% na taxa de mortalidade infantil. Mas, especificamente em áreas mais pobres, a privatização do saneamento básico está associada a queda de 26% da mortalidade infantil. Note-se que Galiani comparou mortes por doenças relacionadas à falta de saneamento com mortes por fatores não relacionados ao saneamento e, no período analisado, nas cidades onde o serviço de água e esgoto passou para a iniciativa privada, somente as mortes por doenças relacionadas à falta de saneamento sofreram redução.

No Brasil, há indícios fortes de que a iniciativa privada é mais eficiente. Ainda que representem apenas 6% do setor, as empresas privadas investem 20% do total de investimentos em água e esgoto. Isto é, o investimento de uma empresa privada é 3,8x maior do que de uma empresa pública. Além disso, há forte evidências de que as companhias públicas brasileiras de água e esgoto sejam usadas como “moeda de troca” ou “cabide de empregos” para fins políticos: entre 2014 e 2017, as tarifas de estatais subiram, em média, 30% enquanto o nível de investimento caiu 3%. Por outro lado, nesse mesmo período, a folha de pagamento cresceu 29%. Não faz sentido manter a água e o esgoto nas mãos do Poder Público sem concorrência do setor privado.

O novo Marco Legal do Saneamento Básico é a grande oportunidade do País rever suas prioridades. A pandemia da Covid-19 evidenciou mazelas sociais ignoradas há décadas pela classe política brasileira: como seguir a orientação básica de lavar as mãos contra o corona vírus se não chega água em casa? Como adotar protocolos mínimos de higiene se há pessoas, na cidade mais rica do país, que só têm água de 2x a 3x por semana? O momento de deixar a ideologização do assunto de lado é agora: o Brasil precisa se libertar de chavões como “água não é mercadoria” e, de fato, adotar políticas públicas que têm resultado.

*André Bolini é administrador de empresa pela FGV/SP e granduando em direito pela USP.

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

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